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CC 9: SOBRE AMIZADES, PRISÕES E SAUDADES

Em março de 1974, Hélio Oiticica escrevia diretamente de Manhattan mais uma de suas diversas cartas. Esta, era endereçada para seu grande amigo Carlos Vergara. Entre ideias, fofocas e projetos que rondavam a vida de ambos nessa época, Oiticica destaca uma notícia que o abalou de forma particular. Seu grande amigo dos tempos da Mangueira, do Mangue e do Morro de São Carlos, Renô (grafado as vezes Renaud, em cartas escritas pelo artista), irmão das amigas e passistas Tineca e Rose, filho do famoso Oto do Pó e de Zezé, tinha sido encontrado morto. Oiticica soube da notícia porque Silviano Santiago enviou a ele um recorte de jornal com o fato e, ironicamente, com uma foto do morto feita pelo próprio Oiticica. 

O impacto da morte de seu amigo, cuja vida à margem o levou algumas vezes às cadeias e presídios do Rio de Janeiro, fez com que Oiticica oferecesse para Vergara uma proposição (projetos elaborados por ele, com autoria dividida e cuja execução deveria ser feita por terceiros). Ela consistia em um dos seus Bloco-experiências, cujo nome apresenta a ultima das Cosmococas. Um ano depois de iniciar seu trabalho com Neville de Almeida (com quem fez 5 CCs), Oiticica dava para Vegrara a CC 9 – Cocaoculta Renô Gone para que ele a executasse como homenagem ao seu amigo. O pedido era uma instalação, com fotografias feitas por Vergara no São Carlos, mais precisamente na casa da família de Renô. Por uma série de motivos privados e políticos, porém, a obra não pode ser executada naquele momento. 

Após quarenta anos, e por caminhos diversos, Carlos Vergara pôde finalmente realizar a parceria com seu amigo. Apesar de não cumprir à risca o planejamento original da CC9, Vergara conseguiu de forma precisa e poética costurar o tema da morte, da prisão, da saudade e da liberdade, em uma instalação cujos elementos originais de Oiticica giram em nova espiral de sentidos. Nesta exposição, a “coca oculta” (sinalizando a ausência material da cocaína, elemento marcante das demais Cosmococas) torna-se nuvem de poeira decorrente da implosão do Complexo Frei Caneca, espaço que abrigou Renô em suas dependências. Ao trabalhar com materiais do cotidiano do presídio (beliches, portas, cobertores), Vergara aplica mais uma camada fundamental de imagens, utilizando uma foto do próprio Renô (feita por Oiticica), além da famosa calça de passista da Mangueira – relíquia que seu amigo mangueirense sempre guardou com carinho. 

Assim, esta exposição fecha um ciclo de referencias para abrir outros. Ela consegue amarrar uma “teresa” de pensamentos e imagens ao redor de duas amizades (Oiticica-Renô / Vergara-Oiticica) e de duas cidades (Manhattan e Rio de Janeiro). Com isso, Carlos vergara consegue fazer a parceira com Oiticica ganhar, quarenta anos depois, uma dimensão mais atual e potente do que nunca. 

Na verdade, a CC 9 é um trabalho que fala, simplesmente, do amor e da saudade. Dois afetos que, se não formos livres para entendermos suas intensidades, podem, quem sabe, nos transformar em prisioneiros de nós mesmo.

Frederico Coelho

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